terça-feira, 19 de abril de 2011

O Mendigo

Vestido em trapos imundos ele vagava pelas ruas da velha cidade.Vasculhava os montes de lixo, procurava debaixo das pontes, nos bueiros, nos becos desertos.
Andava de casa em casa, pedindo restos. Restos de sonhos que haviam se perdido, restos de infância, restos de uma felicidade há muito esquecida no meio dos entulhos da velha cidade de pedra fria.
Assim seguia o velho andarilho, colecionando pedaços de memória, juntando fragmentos de vida, de desejos ocultos, tentando construir uma existência própria.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Grades de Vidro

Adentramos a sala da pequena casa.
De todos os moradores da pequena cidade, "Seu" Antônio Ferreiro era o mais curioso.
A sala era pequena, confortável. Uma sala comum, de uma casa comum, diria-se, se não fosse por uma peculiaridade. No centro da sala, ocupando o espaço de mais ou menos um metro quadrado, havia uma magnifica gaiola de vidro com uma mulher mais magnifica ainda em seu interior.
No teto da gaiola estavam pendurados pequenos pássaros de vidro, que esvoaçam sobre a esplêndida mulher, que parecia não ter notado nossa presença. Continuava a olhar para o sol que se punha lá fora, através da janela.

- Não é linda? - perguntou "Seu" Antônio.

- Por que está nessa gaiola?

- Ela vive aí - respondeu - Quando ela veio pra cá, ela era tão bela, tão pura. Tive medo que se perdesse, que sumisse no mundo, que algo de mau pudesse lhe acontecer. Por isso construí essa gaiola de vidro. Para protegê-la do mundo terrível que há lá fora. Dentro da gaiola ela não conhece a dor ou o sofrimento. Está livre da maldade que habita o coração dos que vivem do lado de cá das grades. Nunca nada de mau poderá tocá-la.
Graças as barras de vidro é que ela se tornou a criatura esplêndida que é, pois somente dentro de tal estufa poderia florescer tão bela flor. Não existe no mundo mulher alguma que se compare a ela! Dentro dessa gaiola ela floresceu, e dentro dela murchará, sem ser maculada pelo horror que há lá fora.

Ficamos em silêncio, observando a mulher, que continuava a olhar o horizonte escurecendo do lado de fora.
Saímos da casa e adentramos novamente o mundo terrível e sombrio do lado de fora.
Não saberia explicar bem o porque, mas o ar da noite nunca me parecera tão agradável.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Pausa

Vasculhando a superfície da pele, o tempo se dilata. É possível vasculhar poro por poro, imperfeição por imperfeição e, dentro de menos de um segundo, obter um mapa completo da perfeição de uma face.
Nessa pequena suspensão do tempo, observa-se a pele, já não tão jovem, e os pêlos curtos, negros e brancos, que se insinuam em sua superfície. Passeia-se o olhar, que se detém nas hastes negras e curvadas que são os cílios.
E enfim, o olhar. É aí que o tempo pára. Em dois poços negros, circundados por uma faixa de terra, ligeiramente tingida com um verde muito escuro nas bordas do tal poço. Uma faixa de musgos quase imperceptível. É um olhar firme, enraizado, porém, ainda com um que de inocência mal disfarçada.
O relógio volta a correr. Mas a memória retém aquele momento, aquele vasculhar.
A memória de um segundo se expande, e é possível reconstituir num piscar de olhos, poro por poro, imperfeição por imperfeição, toda a perfeição daquela face.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Drama!

Era uma menina apaixonadíssima!
Por quem? Oras, isso não interessa!
O importante é que era apaixonadíssima!
Por esse, por aquele, cada um em seu tempo, curto ou longo.

Mas pobrezinha, quanta desilusão, quanta dor.
Umas semana pensava em cortar os pulsos.
Na outra, entupir-se de remédios.
Na seguinte, se imaginava estatelada no chão depois da queda de oito andares.
"É isso" - pensava ela - "vou tomar formicida!"
Mas logo surgia um outro par de olhos verdes, varrendo a idéia para longe.

Era uma menina apaixonadíssima!
E como sofria!
Sofria muito e sempre.
Mas sempre apaixonadíssima!

Tolices

O problema é que você me deixa descomposto.

O coração se multiplica. Pulsa na cabeça, no estômago, até mesmo na sola pé! Pulsa em todos os lugares, menos no peito, coitado, tão abandonado.

Você me deixa louco, sabia?
E o problema é que eu adoro a loucura.