segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Menino e O Pássaro

Lá estava ele, pequeno e frágil, jogado num canto da calçada. As pessoas passavam apressadas, sem percebê-lo. Sentia seu corpo cada vez mais frio, os ossos quebrados latejavam insuportavelmente, seu corpo doía, dentro e fora.
Um menino passava, voltando da escola, com sua mochila velha e surrada: herança de família. Assobiava uma canção despretensiosa quando seus olhos se depararam com algo no chão.
Lá estava, num canto da calçada, debaixo da vitrine de uma loja de grife, um pequeno pássaro, piando debilmente. A príncipio passou reto, mas depois voltou e recolheu a pequena criatura, que não demonstrou nenhuma resistência.
Correu para casa.
Sentia o coraçãozinho daquele ser minúsculo pulsando entre suas mãos fechadas em concha. Era quente, muito quente.
Ao chegar em casa, foi constatado que o pássaro era um filhote de Bem-Te-Vi que acabara de cair do ninho, e que estava com a asa quebrada.
A asa foi imobilizada com uma tala, e o pequeno pássaro colocado numa gaiola na cozinha, após ser alimentado.
O menino então sentou-se em frente à gaiola, observando-o dormir. Imaginava aquele filhote se transformando, lentamente, num belo pássaro. Imaginava também o dia em que sua asa estaria completamente curada, e ele o levaria lá pro jardim e o ensinaria a voar.
Seus olhos brilhavam ao pensar na sensação que sentiria a criaturinha quando, pela primeira vez, o vento matinal lhe tocasse as asas.
Ele o ensinaria a voar, e saberia dizer adeus quando o passarinho resolvesse ir embora.
Aquele dia inteiro o menino permaneceu ao lado da gaiola, cuidando de seu mais novo amigo.
Quando anoiteceu, adormeceu e sonhou que voava nas asas de um magnífico pássaro verde. Sobrevoava o mar, as matas, as colinas, as pequenas vilas, que ficavam maravilhadas com tão fantástica criatura, e as cidades, com sua população tão apressada que nem parecia notar a o gigantesco pássaro atravessando os céus.
Na manhã seguinte despertou feliz. Queria contar à criaturinha o sonho maravilhoso que tivera.
Correu até a cozinha e levantou o pano que cobria a gaiola.
O pássaro havia morrido.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Le Temps Perdue

- Te amo.

Ele fingiu que não ouviu.
Vestiu uma bermuda e saiu do quarto.
Estava tudo errado. Não era ela, ele sabia. Sempre soube.
Desde a primeira troca de olhares, do primeiro beijo, da primeira noite.
Como podia ser isso?
As últimas horas haviam sido maravilhosas.
Era como se o mundo todo deixasse de existir quando estavam os dois lá, nus.
Era como se realmente fosse ela.
Mas não.
A lembrança daquele perfume e daqueles olhos era o suficiente para varrê-la do pensamento e transformar aquelas horas em nada, em pó.
Não, aquilo não estava certo.
Já haviam ido longe demais. Estava na hora de colocar um ponto final nessa história.
Mas não agora.
Não hoje.
Sentiu seus braços frios abraçando-o.

- Estou indo.
- Tá.

Abriu a porta. Ela chamou o elevador.
Nenhum dos dois falava. Ele evitava seu olhar.
A porta do elevador se abriu.
Ela novamente enlaçou-o em seus braços e beijou-o nos lábios.

- Te amo.
- Eu também.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Como de Costume

Todos reunidos em volta do suculento peru de natal.
"De quem será o primeiro pedaço?", pergunta a avó.

O primeiro pedaço foi pra prima magrela, aquela que não conseguia arranjar marido e se matava de trabalhar naquele escritoriozinho no centro da cidade. Coitada, o salário é tão baixo que nem pode sair da casa dos pais. Um verdadeiro peso morto. Completamente diferente do irmão, esse sim um empresário bem sucedido. Mas aquela mulherzinha dele, ah, ninguém merece. Sem sal, é o que ela é. E o que faz? Ninguém sabe. Deve ser uma dessas dondocas que vive às custas do dinheiro do marido.

O segundo pedaço foi para o neto mais velho, aquele que tinha acabado de se divorciar. Ela ficou com as crianças. Mas também, que juiz daria a guarda de duas crianças a um professorzinho universitário recém-desempregado. Não, não... ele perdeu o emprego depois de perder a guarda dos filhos. Mas também, como ele iria sustentar duas crianças com aquele salário? Ela não. Tem um emprego importante. Ganha bem. Tem condições de criar direito uma criança.

O terceiro pedaço foi para a filha mais nova, aquela que ficou viuva. E os filhos dela? A menina está viajando. Ah, como ela é estudiosa! Além do que, uma graça de menina. E o rapaz? Esse não quis vir, preferiu passar o natal com aquele "amigo" dele. Coitada da mãe, ter que suportar isso. Pelo menos teve o bom censo de não aparecer pro por aqui.

O quarto pedaço foi pro sobrinho, aquele que acabou de se formar e não consegue emprego em lugar nenhum. Um vagabundo, isso sim. 

O quinto pedaço foi pra irmã mais velha, aquela que traia o marido com outro.

O sexto foi pro marido da outra prima. Um traste.

Todos se deliciavam naquela bela ceia de natal, sem notar a ausência do neto mais novo, que se ocupava em despir sua mais recente namorada.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Minimal 13/J

Explosão!
Partículas voando por toda a parte.
Delírio.
Confusão.
Luzes coloridas.
Movimento. Movimento. Movimento.

Os pensamentos se enroscam em espirais, misturam-se, enrolam-se e desenrolam-se.

O pé bate contra o chão.
Descontrole.

Olhos abertos e em brasa.
Cascatas de suor.
Sonho, ilusão.

Movimento. Movimento. Movimento.