quinta-feira, 7 de julho de 2011

Autofagia

Sinto uma ânsia tão grande de devorar o mundo!
Abro minha boca nos limites do infinito, tentando abocanhá-lo numa dentada só.
E na ânsia de devorá-lo, devoro a mim mesmo.

sábado, 11 de junho de 2011

A moralidade é um prato gorduroso e lamacento que se come lambuzando os beiços inchados com o óleo sujo e viscoso da mediocridade.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Amor. Amor? Amor!

Quando você ama, a quem você ama?

Ama-se verdadeiramente o que?

O objeto do amor?

O amor em si?

Ou, quem sabe, a idealização do amor?

O amor não seria apenas um enamorar-se do amor que salta dos olhos do enamorado, enamorado pelo amor que salta dos olhos por ele enamorados? E não seria isso amar simplesmente o amor em si, em sua forma mais pura e verdadeira?

A tristeza do enamorado desiludido é a separação de seu enamorado ou a desilusão de ter seu enamorar-se pelo amor pelo amor traído?

E quem, nesse louco mundo de tolos enamorados, há de explicar o amor?

"Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure" - Vinicius de Moraes

Inspirado por Thiago Carvalho (Minha Vida Um Romance)

A Ansiosa Ansiedade OU Divagações Sobre a Pressa

"A pressa é inimiga da perfeição"

"Quem tem pressa come crú"

É difícil lutar contra a pressa quando a ansiedade se torna sufocante, quando os olhos embaçam e fica impossível ver com clareza o movimento lento do mundo à sua volta. Quando o universo parece imóvel, o pulso acelera, o sangue martela o cérebro, o ar em volta se torna rarefeito. E é aí que o ansioso se torna vítima indefesa dessa tal de pressa, que o devora numa só dentada, crú e imperfeito.

NHACT!!

"Decifra-me ou devoro-te"

Inspirado por Pat Lávsqui (A Cética Desabusada)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Saudades

Eu sinto saudades.
Sinto saudades de coisas que não vivi, que não senti.
Sinto saudades de sonhos que nunca deixaram de ser apenas sonhos. Sonhos que nem eram meus.
Sinto saudades de coisas que nem sei dizer o que são. Coisas que não existiram, que jamais existirão.
Saudades de um mundo inventado, de um tempo imaginado.
Uma saudade sem nome, sem forma, sem cor.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Falemos de Números

É uma matemática simples:
Eu falo em pessoas, você me responde em números.
Eu falo em sentimentos: bagunçados, desorganizados, confusos e conflitantes.
Você me responde em itens bem separados, organizados e delimitados.
Cada vez que ouço sua voz distorcida ao telefone, já prevejo todo o discurso, todos os argumentos e toda a impotência diante deles. Como se argumenta contra uma certeza absoluta e imutável? Contra os argumentos rígidos e matemáticos que desprezam o sentir?
Como se argumenta contra números?

Números não falam de pessoas!
Para mim, um mais um pode ser dois, ou três, ou quatro milhões, ou até mesmo azul!
Nunca fui bom em matemática, você sabe...

Ainda me lembro da frase: "Você não sabe? Então pensa!"
Pois é, quanto mais eu penso, mais essa matemática não faz sentido pra mim. Um monte de números mortos, isso sim.

E sabe o que me entristece? É ver que cada dia mais você se afasta daquele ser pensante que eu tanto admirava pra se tornar um amontoado de números e estatísticas. Porque eu sei que esse não foi sempre você, e por isso tenho esperanças de que ainda se lembre desse ser de antes. Antes dos números, das notas, das turbinas de aviões. Esse ser... humano.

Quando lembrar desse ser, e os números perderem a importância, me avise. Eu sinto falta daqueles tempos.
Quando voltar a pensar nas pessoas como únicas, e não como unidades, me avise.
Quando voltar a falar de sonhos, e não de probabilidades, me avise.

Até lá, let's talk numbers.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O Mendigo

Vestido em trapos imundos ele vagava pelas ruas da velha cidade.Vasculhava os montes de lixo, procurava debaixo das pontes, nos bueiros, nos becos desertos.
Andava de casa em casa, pedindo restos. Restos de sonhos que haviam se perdido, restos de infância, restos de uma felicidade há muito esquecida no meio dos entulhos da velha cidade de pedra fria.
Assim seguia o velho andarilho, colecionando pedaços de memória, juntando fragmentos de vida, de desejos ocultos, tentando construir uma existência própria.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Grades de Vidro

Adentramos a sala da pequena casa.
De todos os moradores da pequena cidade, "Seu" Antônio Ferreiro era o mais curioso.
A sala era pequena, confortável. Uma sala comum, de uma casa comum, diria-se, se não fosse por uma peculiaridade. No centro da sala, ocupando o espaço de mais ou menos um metro quadrado, havia uma magnifica gaiola de vidro com uma mulher mais magnifica ainda em seu interior.
No teto da gaiola estavam pendurados pequenos pássaros de vidro, que esvoaçam sobre a esplêndida mulher, que parecia não ter notado nossa presença. Continuava a olhar para o sol que se punha lá fora, através da janela.

- Não é linda? - perguntou "Seu" Antônio.

- Por que está nessa gaiola?

- Ela vive aí - respondeu - Quando ela veio pra cá, ela era tão bela, tão pura. Tive medo que se perdesse, que sumisse no mundo, que algo de mau pudesse lhe acontecer. Por isso construí essa gaiola de vidro. Para protegê-la do mundo terrível que há lá fora. Dentro da gaiola ela não conhece a dor ou o sofrimento. Está livre da maldade que habita o coração dos que vivem do lado de cá das grades. Nunca nada de mau poderá tocá-la.
Graças as barras de vidro é que ela se tornou a criatura esplêndida que é, pois somente dentro de tal estufa poderia florescer tão bela flor. Não existe no mundo mulher alguma que se compare a ela! Dentro dessa gaiola ela floresceu, e dentro dela murchará, sem ser maculada pelo horror que há lá fora.

Ficamos em silêncio, observando a mulher, que continuava a olhar o horizonte escurecendo do lado de fora.
Saímos da casa e adentramos novamente o mundo terrível e sombrio do lado de fora.
Não saberia explicar bem o porque, mas o ar da noite nunca me parecera tão agradável.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Pausa

Vasculhando a superfície da pele, o tempo se dilata. É possível vasculhar poro por poro, imperfeição por imperfeição e, dentro de menos de um segundo, obter um mapa completo da perfeição de uma face.
Nessa pequena suspensão do tempo, observa-se a pele, já não tão jovem, e os pêlos curtos, negros e brancos, que se insinuam em sua superfície. Passeia-se o olhar, que se detém nas hastes negras e curvadas que são os cílios.
E enfim, o olhar. É aí que o tempo pára. Em dois poços negros, circundados por uma faixa de terra, ligeiramente tingida com um verde muito escuro nas bordas do tal poço. Uma faixa de musgos quase imperceptível. É um olhar firme, enraizado, porém, ainda com um que de inocência mal disfarçada.
O relógio volta a correr. Mas a memória retém aquele momento, aquele vasculhar.
A memória de um segundo se expande, e é possível reconstituir num piscar de olhos, poro por poro, imperfeição por imperfeição, toda a perfeição daquela face.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Drama!

Era uma menina apaixonadíssima!
Por quem? Oras, isso não interessa!
O importante é que era apaixonadíssima!
Por esse, por aquele, cada um em seu tempo, curto ou longo.

Mas pobrezinha, quanta desilusão, quanta dor.
Umas semana pensava em cortar os pulsos.
Na outra, entupir-se de remédios.
Na seguinte, se imaginava estatelada no chão depois da queda de oito andares.
"É isso" - pensava ela - "vou tomar formicida!"
Mas logo surgia um outro par de olhos verdes, varrendo a idéia para longe.

Era uma menina apaixonadíssima!
E como sofria!
Sofria muito e sempre.
Mas sempre apaixonadíssima!

Tolices

O problema é que você me deixa descomposto.

O coração se multiplica. Pulsa na cabeça, no estômago, até mesmo na sola pé! Pulsa em todos os lugares, menos no peito, coitado, tão abandonado.

Você me deixa louco, sabia?
E o problema é que eu adoro a loucura.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Memória

Hoje me aconteceu uma coisa curiosa no caminho de volta pra casa.

Eu acabara de descer do ônibus quando, vindo do outro lado da rua, passa por mim um senhor de uns cinquenta anos, cantando muito alto. Enquanto as outras pessoas que esperavam pra atravessar a rua olharam-no com estranheza, eu sorri, sentindo uma leve inveja daquela criatura.
Atravessei a rua e continuei caminhando, cantarolando uma canção.
Eis que, sem mais nem menos, completamente alheia a meus pensamentos no momento, uma lágrima escorre. Foi então que percebi a música que estava cantando. Uma música que me remetia a uma história ainda um pouco dolorosa mas que, como muitas outras coisas, estava jogada em algum canto da memória.
Aquela lágrima foi única, solitária.
Tive pena de enxugá-la, e deixei que secasse com o vento.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Duvidem!

Cada linha escrita, cada frase, cada palavra, cada sílaba é uma mentira bem contada. Ou não.
Todas as noites, quando entro aqui e releio o que escrevi, mesmo que tenha sido a dez minutos atrás, eu tenho vontade de jogar tudo fora, de apagar e começar de novo. Uma folha em branco.
Eu acabo de escrever, e já nem sei mais quanto daquilo me pertence, quanto daquilo realmente fala de mim.
Detesto quase tudo aquilo que escrevo.
E quanto mais verdadeiro, pior.
Amo as mentiras, que me fazem esquecer toda essa realidade suja.
Eu espero. E o que espero?
Uma grande e fantástica mentira.

Eu lhes peço encarecidamente:
Duvidem de tudo o que seus olhos podem ver.
Duvidem até mesmo da cor do vento.
Duvidem até o último segundo.
Duvidem.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Menino e O Pássaro

Lá estava ele, pequeno e frágil, jogado num canto da calçada. As pessoas passavam apressadas, sem percebê-lo. Sentia seu corpo cada vez mais frio, os ossos quebrados latejavam insuportavelmente, seu corpo doía, dentro e fora.
Um menino passava, voltando da escola, com sua mochila velha e surrada: herança de família. Assobiava uma canção despretensiosa quando seus olhos se depararam com algo no chão.
Lá estava, num canto da calçada, debaixo da vitrine de uma loja de grife, um pequeno pássaro, piando debilmente. A príncipio passou reto, mas depois voltou e recolheu a pequena criatura, que não demonstrou nenhuma resistência.
Correu para casa.
Sentia o coraçãozinho daquele ser minúsculo pulsando entre suas mãos fechadas em concha. Era quente, muito quente.
Ao chegar em casa, foi constatado que o pássaro era um filhote de Bem-Te-Vi que acabara de cair do ninho, e que estava com a asa quebrada.
A asa foi imobilizada com uma tala, e o pequeno pássaro colocado numa gaiola na cozinha, após ser alimentado.
O menino então sentou-se em frente à gaiola, observando-o dormir. Imaginava aquele filhote se transformando, lentamente, num belo pássaro. Imaginava também o dia em que sua asa estaria completamente curada, e ele o levaria lá pro jardim e o ensinaria a voar.
Seus olhos brilhavam ao pensar na sensação que sentiria a criaturinha quando, pela primeira vez, o vento matinal lhe tocasse as asas.
Ele o ensinaria a voar, e saberia dizer adeus quando o passarinho resolvesse ir embora.
Aquele dia inteiro o menino permaneceu ao lado da gaiola, cuidando de seu mais novo amigo.
Quando anoiteceu, adormeceu e sonhou que voava nas asas de um magnífico pássaro verde. Sobrevoava o mar, as matas, as colinas, as pequenas vilas, que ficavam maravilhadas com tão fantástica criatura, e as cidades, com sua população tão apressada que nem parecia notar a o gigantesco pássaro atravessando os céus.
Na manhã seguinte despertou feliz. Queria contar à criaturinha o sonho maravilhoso que tivera.
Correu até a cozinha e levantou o pano que cobria a gaiola.
O pássaro havia morrido.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Le Temps Perdue

- Te amo.

Ele fingiu que não ouviu.
Vestiu uma bermuda e saiu do quarto.
Estava tudo errado. Não era ela, ele sabia. Sempre soube.
Desde a primeira troca de olhares, do primeiro beijo, da primeira noite.
Como podia ser isso?
As últimas horas haviam sido maravilhosas.
Era como se o mundo todo deixasse de existir quando estavam os dois lá, nus.
Era como se realmente fosse ela.
Mas não.
A lembrança daquele perfume e daqueles olhos era o suficiente para varrê-la do pensamento e transformar aquelas horas em nada, em pó.
Não, aquilo não estava certo.
Já haviam ido longe demais. Estava na hora de colocar um ponto final nessa história.
Mas não agora.
Não hoje.
Sentiu seus braços frios abraçando-o.

- Estou indo.
- Tá.

Abriu a porta. Ela chamou o elevador.
Nenhum dos dois falava. Ele evitava seu olhar.
A porta do elevador se abriu.
Ela novamente enlaçou-o em seus braços e beijou-o nos lábios.

- Te amo.
- Eu também.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Como de Costume

Todos reunidos em volta do suculento peru de natal.
"De quem será o primeiro pedaço?", pergunta a avó.

O primeiro pedaço foi pra prima magrela, aquela que não conseguia arranjar marido e se matava de trabalhar naquele escritoriozinho no centro da cidade. Coitada, o salário é tão baixo que nem pode sair da casa dos pais. Um verdadeiro peso morto. Completamente diferente do irmão, esse sim um empresário bem sucedido. Mas aquela mulherzinha dele, ah, ninguém merece. Sem sal, é o que ela é. E o que faz? Ninguém sabe. Deve ser uma dessas dondocas que vive às custas do dinheiro do marido.

O segundo pedaço foi para o neto mais velho, aquele que tinha acabado de se divorciar. Ela ficou com as crianças. Mas também, que juiz daria a guarda de duas crianças a um professorzinho universitário recém-desempregado. Não, não... ele perdeu o emprego depois de perder a guarda dos filhos. Mas também, como ele iria sustentar duas crianças com aquele salário? Ela não. Tem um emprego importante. Ganha bem. Tem condições de criar direito uma criança.

O terceiro pedaço foi para a filha mais nova, aquela que ficou viuva. E os filhos dela? A menina está viajando. Ah, como ela é estudiosa! Além do que, uma graça de menina. E o rapaz? Esse não quis vir, preferiu passar o natal com aquele "amigo" dele. Coitada da mãe, ter que suportar isso. Pelo menos teve o bom censo de não aparecer pro por aqui.

O quarto pedaço foi pro sobrinho, aquele que acabou de se formar e não consegue emprego em lugar nenhum. Um vagabundo, isso sim. 

O quinto pedaço foi pra irmã mais velha, aquela que traia o marido com outro.

O sexto foi pro marido da outra prima. Um traste.

Todos se deliciavam naquela bela ceia de natal, sem notar a ausência do neto mais novo, que se ocupava em despir sua mais recente namorada.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Minimal 13/J

Explosão!
Partículas voando por toda a parte.
Delírio.
Confusão.
Luzes coloridas.
Movimento. Movimento. Movimento.

Os pensamentos se enroscam em espirais, misturam-se, enrolam-se e desenrolam-se.

O pé bate contra o chão.
Descontrole.

Olhos abertos e em brasa.
Cascatas de suor.
Sonho, ilusão.

Movimento. Movimento. Movimento.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Queda

Quem é a menina no balanço?
Virgem, santa ou puta?
Eu corro por essas estradas escuras que me levam a lugar nenhum.
Um sorriso, um olhar, a fumaça que invade as narinas, atordoa o cérebro, faz arder os olhos.
Quem é a menina com a coroa de flores?
O relógio bate. Meia Noite. Uma sombra se esgueira pelos cantos escuros do meu pensamento. Salta, corre, voa.
Eu te quero ao meu lado sempre.
Um jogo de cabeças rolando e membros decepados.
Corra, pequena, corra, que o dia ainda está longe.
O relógio bate. De novo. De novo. De novo. De novo. De novo. De novo.
O quarto escuro, o sangue no lençol. E de novo aquele sorriso.
Lá vou eu, morrer de novo.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Força Bruta

Eu bato a porta e saio.
Nunca tinha reparado como esse corredor é estreito. Aperto o botão do elevador. Demora. Demora. Sufoco! Não aguento! Desço as escadas, 5 andares. Correndo. Passo o hall, chego na rua.
"Não pare! Não pare!"
Meus passos apressados ecoam nos meus ouvidos. O mundo passa por mim como uma grande mancha difusa. Ouço meu coração pulsando no crânio.
"Mais rápido! Mais rápido!"
A imagem dela sentada na cama em silêncio não me sai da cabeça.
Minha boca tem um gosto amargo.
Acho que vou vomitar.

Fecho a porta, atordoado, e me deixo cair no sofá.
Minha camiseta está ensopada de suor.
Meu corpo treme inteiro.

Acordo com o telefone tocando.
"Alô?...Alô?"
"Oi... Sou eu."
"Ah..."
"Você esqueceu a carteira em casa..."
"Eu pego amanhã. Deixa na portaria."
"Tá... Você... tá bem?"
"Por que eu não estaria?"
"Desculpa... Eu só pensei..."
"Pensou errado. Era só isso?"
"... Sim."
"Tchau."
Por que eu fiz isso?

Um mês. Num bar.
Ela está na minha frente. Ah, como sinto falta desse perfume.
Como você está?
Bem - seco.
Eu...eu queria conversar com você.
Por que?
...
Viro e vou pra minha mesa. Ela fica parada no mesmo lugar, segurando a garrafa de cerveja. Vejo ela sair e ir para sua mesa.
Por que eu faço isso? Estúpido!
"Eu sinto a sua falta! Eu quero você de volta! Eu quero seu corpo, seu cheiro, sua voz! Eu quero gritar pra esse bar inteiro ouvir!"
Bebo rápido. Engulo.

Levanto, passo por sua mesa sem olhar. Sinto os olhos dela me queimando.
Vou para o próximo bar e bebo. A bebida desce queimando a garganta. Alguém me diga que assim eu me salvo, que assim eu sufoco essa dor. Alguém me diga que assim eu afogo sua lembrança.

Um quarto de motel barato. Minha cabeça dói.
Eu pego o telefone, apago seu número.
Mas quem te apaga de mim?

Volto pra casa, deito na cama.
O cheiro do perfume barato me faz querer vomitar.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tarde


O carro pára, o motor ainda ligado. Sem dizer nada, ela retira a aliança da bolsa e a coloca de volta no dedo. Beijam-se em silêncio. Não é preciso dizer nada. Eles se olham, ela toca o rosto mal barbeado pela última vez e sai. Atrás dela, a porta do carro bate. Ela ouve o automóvel partindo enquanto caminha sem olhar para trás. Atravessa uma, duas, três quadras.
Pára em frente ao portão de madeira, respira, e entra. O som daquela voz ainda ecoa em seus ouvidos.

"Por que não?"
"Eu não posso."
"Por que?"
"Porque eu não posso."

Longe demais.
"Um garoto, apenas um garoto... É preciso viver! Esses sonhos tolos não levam a lugar algum..."
O quarto está abafado. Os sons da tesoura do jardineiro entram pela janela. O resto do mundo é silêncio.

"Por que não?"

Batem na porta.
O mundo real chama, é hora de despertar.

sábado, 8 de janeiro de 2011

La Nuit d'Iphigénie

Olha, vê esse sangue que escorre. Esse sangue virgem, que nunca conheceu a delícia e a dor da carne.
Uma noiva de luto.
Desgraça a ti e a todo o teu sangue!
Que a morte venha a todos os teus homens.
Que eles deitem seus corpos ensanguentados sobre os lençóis da jovem noiva.
Puta!
Que venha o jovem ceifador deitar entre minhas coxas.
Imundo! Sujo!
Pelo braço me levaste ao altar.
Casaste-me com a morte.
Pobre noiva infeliz: o noivo ama ao pai!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

"Blablabla Whiskas Sachê"*

Sabe o que realmente me cansa?
Discursos.
Aqueles discursos vazios, que se pretendem mais do que são.
Os discursos de palavras ocas que, fora de sua forma reluzente, não passam de meros fantasmas de idéias. Palavras mortas e decompostas, cadáveres fonéticos perdidos no espaço.
Fontes de verdadeiro tédio e monotonia, e nada mais.
Eu sinto falta de paixão.
Paixão em cada palavra, em cada tomada de fôlego. Eu sinto falta do silêncio que expressa tudo aquilo que as palavras são incapazes de dizer.
Eu sinto falta das palavras sinceras e verdadeiras, que não se permitem cair em maneirismos patéticos e sem alma.
Eu cansei desses falsos heróis e, principalmente, desses falsos vilões.

Que deixem a força e a rudez para esses pobres infelizes que vêem nelas algum valor.
Quanto a mim, escolho a fragilidade.

Me chamem de tolo, de sonhador, de fraco. Não me importarei.
Eu vejo sim a beleza de uma pequena flor que, tão frágil, consegue brotar entre as duras rochas de um penhasco. Quanto as rochas, são apenas rochas. Fortes e imponentes, sem dúvida, mas também frias, duras, imutáveis.
Quer coisa mais bela na natureza que a sua eterna mutabilidade?

Eu gosto de palavras efêmeras, que se perdem no segundo em que são ditas, e nunca mais podem ser repetidas. Porque são vivas, são quentes, têm sangue correndo em cada veia, em cada fibra de seu ser.
Palavras duras e engessadas numa forma não me despertam o menor interesse.

"Mentiras sinceras me interessam"

Salve sua alma, antes que ela se torne tão dura e fria quanto suas palavras.


*Créditos do título para Pat Lávisqui