domingo, 16 de janeiro de 2011

Queda

Quem é a menina no balanço?
Virgem, santa ou puta?
Eu corro por essas estradas escuras que me levam a lugar nenhum.
Um sorriso, um olhar, a fumaça que invade as narinas, atordoa o cérebro, faz arder os olhos.
Quem é a menina com a coroa de flores?
O relógio bate. Meia Noite. Uma sombra se esgueira pelos cantos escuros do meu pensamento. Salta, corre, voa.
Eu te quero ao meu lado sempre.
Um jogo de cabeças rolando e membros decepados.
Corra, pequena, corra, que o dia ainda está longe.
O relógio bate. De novo. De novo. De novo. De novo. De novo. De novo.
O quarto escuro, o sangue no lençol. E de novo aquele sorriso.
Lá vou eu, morrer de novo.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Força Bruta

Eu bato a porta e saio.
Nunca tinha reparado como esse corredor é estreito. Aperto o botão do elevador. Demora. Demora. Sufoco! Não aguento! Desço as escadas, 5 andares. Correndo. Passo o hall, chego na rua.
"Não pare! Não pare!"
Meus passos apressados ecoam nos meus ouvidos. O mundo passa por mim como uma grande mancha difusa. Ouço meu coração pulsando no crânio.
"Mais rápido! Mais rápido!"
A imagem dela sentada na cama em silêncio não me sai da cabeça.
Minha boca tem um gosto amargo.
Acho que vou vomitar.

Fecho a porta, atordoado, e me deixo cair no sofá.
Minha camiseta está ensopada de suor.
Meu corpo treme inteiro.

Acordo com o telefone tocando.
"Alô?...Alô?"
"Oi... Sou eu."
"Ah..."
"Você esqueceu a carteira em casa..."
"Eu pego amanhã. Deixa na portaria."
"Tá... Você... tá bem?"
"Por que eu não estaria?"
"Desculpa... Eu só pensei..."
"Pensou errado. Era só isso?"
"... Sim."
"Tchau."
Por que eu fiz isso?

Um mês. Num bar.
Ela está na minha frente. Ah, como sinto falta desse perfume.
Como você está?
Bem - seco.
Eu...eu queria conversar com você.
Por que?
...
Viro e vou pra minha mesa. Ela fica parada no mesmo lugar, segurando a garrafa de cerveja. Vejo ela sair e ir para sua mesa.
Por que eu faço isso? Estúpido!
"Eu sinto a sua falta! Eu quero você de volta! Eu quero seu corpo, seu cheiro, sua voz! Eu quero gritar pra esse bar inteiro ouvir!"
Bebo rápido. Engulo.

Levanto, passo por sua mesa sem olhar. Sinto os olhos dela me queimando.
Vou para o próximo bar e bebo. A bebida desce queimando a garganta. Alguém me diga que assim eu me salvo, que assim eu sufoco essa dor. Alguém me diga que assim eu afogo sua lembrança.

Um quarto de motel barato. Minha cabeça dói.
Eu pego o telefone, apago seu número.
Mas quem te apaga de mim?

Volto pra casa, deito na cama.
O cheiro do perfume barato me faz querer vomitar.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tarde


O carro pára, o motor ainda ligado. Sem dizer nada, ela retira a aliança da bolsa e a coloca de volta no dedo. Beijam-se em silêncio. Não é preciso dizer nada. Eles se olham, ela toca o rosto mal barbeado pela última vez e sai. Atrás dela, a porta do carro bate. Ela ouve o automóvel partindo enquanto caminha sem olhar para trás. Atravessa uma, duas, três quadras.
Pára em frente ao portão de madeira, respira, e entra. O som daquela voz ainda ecoa em seus ouvidos.

"Por que não?"
"Eu não posso."
"Por que?"
"Porque eu não posso."

Longe demais.
"Um garoto, apenas um garoto... É preciso viver! Esses sonhos tolos não levam a lugar algum..."
O quarto está abafado. Os sons da tesoura do jardineiro entram pela janela. O resto do mundo é silêncio.

"Por que não?"

Batem na porta.
O mundo real chama, é hora de despertar.

sábado, 8 de janeiro de 2011

La Nuit d'Iphigénie

Olha, vê esse sangue que escorre. Esse sangue virgem, que nunca conheceu a delícia e a dor da carne.
Uma noiva de luto.
Desgraça a ti e a todo o teu sangue!
Que a morte venha a todos os teus homens.
Que eles deitem seus corpos ensanguentados sobre os lençóis da jovem noiva.
Puta!
Que venha o jovem ceifador deitar entre minhas coxas.
Imundo! Sujo!
Pelo braço me levaste ao altar.
Casaste-me com a morte.
Pobre noiva infeliz: o noivo ama ao pai!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

"Blablabla Whiskas Sachê"*

Sabe o que realmente me cansa?
Discursos.
Aqueles discursos vazios, que se pretendem mais do que são.
Os discursos de palavras ocas que, fora de sua forma reluzente, não passam de meros fantasmas de idéias. Palavras mortas e decompostas, cadáveres fonéticos perdidos no espaço.
Fontes de verdadeiro tédio e monotonia, e nada mais.
Eu sinto falta de paixão.
Paixão em cada palavra, em cada tomada de fôlego. Eu sinto falta do silêncio que expressa tudo aquilo que as palavras são incapazes de dizer.
Eu sinto falta das palavras sinceras e verdadeiras, que não se permitem cair em maneirismos patéticos e sem alma.
Eu cansei desses falsos heróis e, principalmente, desses falsos vilões.

Que deixem a força e a rudez para esses pobres infelizes que vêem nelas algum valor.
Quanto a mim, escolho a fragilidade.

Me chamem de tolo, de sonhador, de fraco. Não me importarei.
Eu vejo sim a beleza de uma pequena flor que, tão frágil, consegue brotar entre as duras rochas de um penhasco. Quanto as rochas, são apenas rochas. Fortes e imponentes, sem dúvida, mas também frias, duras, imutáveis.
Quer coisa mais bela na natureza que a sua eterna mutabilidade?

Eu gosto de palavras efêmeras, que se perdem no segundo em que são ditas, e nunca mais podem ser repetidas. Porque são vivas, são quentes, têm sangue correndo em cada veia, em cada fibra de seu ser.
Palavras duras e engessadas numa forma não me despertam o menor interesse.

"Mentiras sinceras me interessam"

Salve sua alma, antes que ela se torne tão dura e fria quanto suas palavras.


*Créditos do título para Pat Lávisqui